Carlos Brito (antigo preso político autor do livro “A cadeia de Peniche: como foi vivida”) e o historiador Fernando Rosas defenderam a construção de um museu da resistência na Fortaleza de Peniche. Cerca de 70 pessoas marcaram presença na sessão de apresentação do livro daquele histórico do PCP, que decorreu na capela da própria Fortaleza, no passado sábado.
O historiador Fernando Rosas, defendeu que deve ser criado um museu da resistência na Fortaleza de Peniche porque “não podemos permitir que aconteça à Fortaleza o que vergonhosamente aconteceu à antiga sede da PIDE [que hoje é um condomínio de luxo], nem deixar isto apodrecer aos poucos”.
O antigo jornalista e político (que fundou o Bloco de Esquerda e concorreu à Presidência da República em 2001) falava à margem da apresentação do livro “Cadeia de Peniche: como foi vivida”, de Carlos Brito. O autor foi um dos muitos presos políticos durante o Estado Novo, tornando-se mais tarde deputado pelo PCP (durante 15 anos), chegando a ser, também ele, candidato à presidência da República (abdicando a favor de Eanes).
Fernando Rosas fez notar que preservar a memória “é uma luta absolutamente central da nossa cidadania e democracia, sobretudo numa altura em que na Europa e na América renascem com toda a força as ideologias de extrema direita”.
Ainda sobre a actualidade da Fortaleza, sugeriu que as associações dos antigos presos políticos devem estar ligadas ao grupo consultivo que está a estudar futuros usos para o edifício.
UM REGIME CRUEL
O historiador conheceu Carlos Brito quando ambos saíram da cadeia. “Com a nossa diferença de idades, o regime que nos prendia era o mesmo”, salientou, defendendo a importância do livro como “contributo para uma história que não está feita: o forte enquanto prisão política”.
Lembrando que quando chegou a esta prisão, em 1972, “o regime tinha sofrido uma drástica humanização derivada das lutas duríssimas das décadas de 50 e 60”, o historiador falou de uma cadeia com um regime prisional cruel, com aplicação constante de castigos, proibições vexatórias, perseguições às famílias, espancamentos e ameaças de morte.
A resposta dos presos foram as greves de fome, protestos colectivos e denúncia das arbitrariedades, que estão relatadas no livro de Carlos Brito.
Foram essas lutas que “contribuíram para romper com um regime prisional onde os presos estavam sujeitos a 20 horas de isolamento por dia, onde mesmo nas horas de convívio era proibido falar, onde os guardas interrompiam as visitas no parlatório a qualquer momento e onde tudo dependia do ‘posso’”. Na óptica de Fernando Rosas,
Por ali passaram resistentes ao regime das diferentes cores políticas e foi dali que se realizaram algumas das mais espectaculares fugas.
“Um hotel não dá”
Carlos Brito esclareceu que, com o livro, pretende intervir na discussão sobre o futuro da Fortaleza e que a apresentação do livro é uma homenagem a todos os presos que por ali passaram.
“Fez ontem 57 anos que entrei na cadeia de Peniche, onde passei seis anos e meio”, contou. Quando chegou a Peniche, havia sido transferido de Caxias, com mais quatro presos. “Não sabíamos para onde íamos, pensámos que era para o Tarrafal, e quando percebemos que era Peniche pensámos que íamos preencher as celas que estavam vazias pelos que haviam fugido”, recordou. É que, uma semana antes, Álvaro Cunhal e outros dirigentes do PCP, haviam-se evadido da prisão.
“Trataram-nos como se tivessemos sido nós a fugir”, partilhou o autor. Os jornais eram entregues cheios de cortes e o regulamento dos guardas definia que os presos deviam sentir que estavam sempre a ser observados. “Vivíamos num regime de advertências, admolestações e punições, além de tudo o que o Fernando Rosas já contou”.
Durante muitos anos tudo o que os presos recebiam da família ia para um monte e era repartido em partes iguais por todos, mas depois isso foi proibido.
“Fui espancado porque já tinha tentado fugir e voltei a tentar, mas apanharam-me e espancaram-me com as coronhas na cabeça”, recordou Carlos Brito. E contou aquela vez em que “todos os presos da cadeia gritaram à janela: ‘temos fome, queremos comer’ aí às três da madrugada e isso teve muita repercussão”.
Uma vez houve uma tentativa de fuga através de um túnel com 14 metros, em que os presos resolveram os problemas de iluminação no túnel, conseguindo instalar cabo eléctrico e uma lâmpada. Para resolver a falta de ar, construíram um fole com o couro de livros, mas foram apanhados quando já tinham chegado à muralha.
Quanto à actualidade, Carlos Brito defende que à sombra do museu muito pode ser feito (incluindo restaurantes, lojas de recordações e até uma hospedaria), “mas um hotel não dá” porque “nada pode fazer sombra ao museu da Resistência”.
O autor elogiou a população de Peniche, que sempre tratou os presos com muito carinho. Ainda que destaque a importância do núcleo museológico que existe e o papel da Câmara, que tem arcado com todas as despesas do mesmo, fez notar que o que existe “não está enquadrado”.
Carlos Brito alertou que “as pessoas saem de lá um bocadinho decepcionadas porque não têm acesso a quase nada e há pouca explicação”.
Memorial AOS PRESOS POLÍTICOS
António José Correia, presidente da Câmara de Peniche, revelou que o caderno de encargos do memorial aos presos políticos, que será realizado pelo escultor José Aurélio, “foi aprovado há três semanas e na última reunião de Câmara foi apresentada a maquete”. O memorial terá duas peças, uma escultórica e outra com os nomes dos cerca de 2500 presos políticos que passaram pela Fortaleza e poderá vir a ser inaugurado a 25 de Abril.
Relativamente à actualidade da Fortaleza, diz que já tem um documento para apresentar à Assembleia da República com as necessidades mais urgentes. Isto porque o Parlamento, “em sede de Orçamento Geral de Estado, contemplou essa obrigação”.