Folio transforma Óbidos na capital literária de Portugal

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Gazeta das Caldas
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Hoje à tarde Hélia Correia, Prémio Camões, e o filósofo Eduardo Lourenço estarão à conversa com Pedro Mexia, enquanto que à noite Gregório Duvivier apresenta o espectáculo que criou propositadamente para o Fólio. Estes são apenas dos últimos capítulos do livro que é o festival literário, que começou a ser folheado a 15 de Outubro e que nas suas páginas contempla a participação de 459 autores e criadores, num total de 154 sessões e 36 concertos e espectáculos.AfonsoCruzPremio copy ConcertoVinicius copy ConcertoZambujo copy debateHOTEL ExpCegueira copy FF&Marcelo copy MostraIlustracaoPIM copy Politicos
O presidente da Câmara, Humberto Marques, destaca que tem-se verificado uma grande afluência de público em todas as áreas, que tem surpreendido até a própria organização, dada a sobreposição dos vários eventos. “Verificamos que as pessoas se desdobram para tentar aproveitar ao máximo toda a programação que existe e que têm vontade de voltar”, disse à Gazeta das Caldas.

Vinicius de Moraes, o poeta, músico e diplomata brasileiro apaixonado por Portugal, e que chegou a querer comprar uma casa em Óbidos, foi o grande homenageado no primeiro dia de Folio. Morreu há 35 anos, mas se fosse vivo, teria completado 103 anos no passado dia 19 de Outubro.  Miúcha, de 77 anos, cantora e grande amiga de Vinicius, juntou-se a Georgiana de Moraes, terceira filha do compositor e, em palco, partilharam canções, mas também muitas histórias.
A devoção de Vinicius pelas mulheres é conhecida. Casou com nove e a filha Georgiana lembra-se de vir a Portugal aquando da lua de mel com a sexta esposa, Cristina Gurjão. “Vinicius quis também comprar uma casa em Óbidos. Em geral, quando se casava queria ter uma casa”, brincou a filha, partilhando ainda um texto, de 1969, onde o compositor agradecia a Portugal e destacava as qualidades do seu povo, assim como o seu desejo de voltar.
Óbidos também está incluído. “Obrigado, Óbidos, que pareces feita no céu, tão linda e pura como uma avozinha menina que ainda usasse flores silvestres na cabeça”, revela.
A alguns metros, dentro da vila, vive uma obidense que conhece bem esta devoção do poeta à vila. Há 45 anos Isabel Nobre trabalhava na Pousada do Castelo e recorda-se do “senhor simpático” com quem conversava durante a sua estadia em Óbidos, local que gostava particularmente por ser “muito bonito e calmo”.
Vinicius era também apreciador do seu whisky, lembra Isabel Nobre e Miúcha, em palco também o confirmou: “é falta de educação falar de Vinicius com água”, pedindo a bebida escocesa.
A cantora lembrou a crónica do poeta Carlos Drummond de Andrade, à hora da morte de Vinicius, descrevendo a sua entrada no céu “de copo de whisky na mão” e “logo dando sugestões a Deus”. Divertida, propôs que este fosse canonizado: “São Vinicius de Moraes”, porque, afinal, falta um padroeiro  para os “namorados, turma da noite e as mulheres abandonadas”.
A assistir, entre os muitos fãs de Vinicius estava o ainda ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional, Miguel Poiares Maduro. “Sou um grande admirador da sua obra poética e das músicas”, dizia no final. Também o escritor e um dos curadores do festival, José Eduardo Agualusa, comentava que o espectáculo “foi muito bonito” e cumpre o propósito de “aproximar as pessoas da literatura da forma mais expressiva possível, recordando a poesia de Vinicius”.
O espectáculo foi a “cereja em cima do bolo” de um dia de eventos que começou com uma aula lotada sobre Agustina Bessa Luís no dia em que celebrava 93 anos. Formalmente o Folio foi aberto com o elefante Salomão  – a mascote do festival – a entrar dentro da vila.
O maestro António Vitorino de Almeida criou um interlúdio sobre Óbidos e, no Museu Abílio, João Francisco Vilhena expõe “Mal” Branco, que assinala os 20 anos da publicação do obra de Saramago, Ensaio Sobre a Cegueira. Uma viagem feita de imagens, palavras e sons é a proposta do fotógrafo que, numa das paredes projecta uma imagem da “chuva purificadora”, que leva a que quando a pessoa passa frente à projecção se criem sombras. Outra mostra, na Galeria L, exibe fotografias de escritores realizadas para a revista Ler, entre 2008 e 2015. Nesta exposição está em destaque Luís Pacheco, bem conhecido dos caldenses, bem como muitos dos mais importantes escritores portugueses.
Na inauguração esteve o secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, que enalteceu a transformação de Óbidos, por estes dias, na capital da cultura. “A dinâmica que se gerou à volta do Folio fez com que se atraísse para aqui um conceito próximo de outros grandes festivais literários internacionais e dará uma projecção a esta vila literária”, disse o governante.
Do vasto programa, Barreto Xavier destacou o seminário internacional sobre bibliotecas escolares, juntado professores de todo o país, que decorreu no passado fim-de-semana, e que é uma reflexão sobre o papel da leitura na escola. Já Pedro Machado, presidente do Turismo do Centro, lembrou que actualmente mais de 40% das viagens turísticas que se fazem em todo o mundo são por motivação cultural  e que o Centro pretende “agarrar esse filão de turistas”.
O curador dos autores, José Eduardo Agualusa, acredita que o Folio fará de Óbidos uma referência do ponto de vista literário, ao concentrar grande parte dos editores, livreiros e críticos literários. O escritor  diz mesmo que espera que o festival cresça e que, no futuro, possa ser um definidor de tendências ao nível de todos os países lusófonos. “A intenção é transformar Óbidos na capital literária de Portugal”.
Já Anabela Mota Ribeiro, curadora da Folia, destacou que pretendem que este seja um festival para ser vivido e uma festa, para que as pessoas entendam que a literatura não é “esse objecto enclausurado numa torre e desfasada do mundo”. Os espectáculos têm uma fortíssima ligação à literatura e, como novidade deste festival, existem as aulas dadas por académicos ou especialistas grandes leitores dos escritores de Portugal, África ou Brasil.
A quem ainda não visitou o Folio, Anabela Mota Ribeiro deixa a sugestão para que procurem e escolham não só aquilo que gostam mais mas aquilo que lhes causa estranheza ou perplexidade, e que depois acaba por prendê-los e conquistá-los.

Cantar Caetano

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“Vamos cantar Caetano?” A pergunta foi respondida pelo próprio António Zambujo com a canção “Diz que o samba é samba”, dando assim início a mais um concerto, completamente esgotado, ao qual minutos depois se juntaria Mayra Andrade, uma amiga e cúmplice de longa data.
Convidado para criar um espectáculo inédito sobre Caetano Veloso, António Zambujo respondeu ao repto com a escolha de 18 músicas, umas escritas pelo compositor brasileiro e outras das quais se apoderou. Um desafio “aliciante” mas que depois se mostrou difícil na escolha do repertório. “Dá vontade de escolher as músicas todas e ficar a noite toda a cantar”, dizia aos jornalistas minutos antes do espectáculo o cantor que estava pela primeira vez em Óbidos, mas já “completamente apaixonado”.
Já em palco, sentado numa das poltronas, cantou êxitos como “Eu Sei que Vou te Amar”,  “Oração do tempo”, “Januário”, ou “Você é linda”. A ele juntou-se Mayra Andrade, também pela primeira vez em Óbidos, para interpretar “Dor de Cotovelo”, “Sonhos” ou “Livros”.
Os encores foram cantados em conjunto e, com o público de pé e a pedir mais, os cantores voltaram uma segunda vez ao palco. Mas Zambujo trazia uma má notícia: “vou ser sincero, não temos mais nenhuma música preparada”, disse. A assistência não se deu por vencida e, perante pedidos para mais uma, fosse ela “Leãozinho” ou “Trem das Onze”, António Zambujo anuiu, mas disse que não sabiam a letra, que teria que ser o público a cantar. E assim foi, António Zambujo e Mayra Andrade terminaram o espectáculo a dançar ao som da assistência que, em coro, entoava a música de Adoniran Barbosa celebrizada por Caetano Veloso.

“Os nossos ilustradores são os melhores do mundo”

Pelos vários andares da galeria novaOgiva estão dispostas 125 obras de 57 ilustradores portugueses e brasileiros. Trata-se da PIM – Mostra de Palavras, Ilustração e Movimentos de Leitura, que homenageia Maria Keil.
Entre as obras expostas estão as do português Afonso Cruz, que minutos antes tinha recebido no salão nobre da autarquia, o Prémio Nacional de Ilustração 2014, e também do brasileiro Roger Mello, um dos primeiros ilustradores a ganhar o prémio Christian Andersen. “Os nossos ilustradores são os melhores do mundo”, dizia a curadora da Ilustração, Mafalda Milhões, dando nota da diversidade de identidades que abre o painel. Sobre os ilustradores disse serem “compositores de imagens, palavras e sons” que têm a capacidade de, com a mudança de uma cor, alterar completamente a página.
A mostra é, segundo a sua curadora, um convite a que as pessoas se arrisquem e também deverá ser uma “sedução” e uma “piscadela de olho ao vem cá”. E quem ali for não poderá sair da mesma forma que entrou, pois se isso acontecer é porque “não a leu bem”. Quem estiver atento vê que logo no início há pequenas tábuas de madeira e, nas paredes da galeria dão-se instruções: “sobe”, “anda”, “mexe, faz”. Chegados ao último andar, os visitantes deparam-se com uma sala de paredes bancas, com a frase “esta mostra começa e acaba em ti” e ao lado, um carrinho com lápis de cor. O repto já foi aceite por muitos visitantes que não tardaram em ilustrar também eles aquelas paredes com lápis da Viarco. E, como recompensa, levam esse lápis para casa.
A ilustradora brasileira Ciça Fittipaldi, impulsionadora da ilustração no meio tribal e em comunidades não alfabetizadas, é uma das participantes da mostra e destaca que Óbidos é um “cenário ideal” para um evento como este. Já Maurício Leite, o parceiro brasileiro que trouxe os ilustradores do outro lado do Atlântico, destaca o facto deste evento não se dirigir apenas a adultos, mas ser abrangente. “Defendo que os países de língua portuguesa se aproximem e a melhor forma de o fazer é através dos escritores”, disse, destacando que estes encontros fortalecem a língua portuguesa.
A mostra da ilustração descentraliza-se aos Casais Brancos, à livraria Histórias com Bicho, onde a ilustradora e designer Catarina Gomes expõe as suas “ideias despenteadas”.
Sob o mote das “cidades, lugares, territórios, vida e reabilitação urbana” foi discutido a origem e o processo do próprio festival, assim como os desafios que se lhe foram colocados inicialmente e a forma como foi entendido pelas entidades coordenadoras dos financiamentos: CCDR do Centro e Região de Turismo do Centro. No Literary Man Óbidos Hotel, José Pinho explicou, durante a tarde de domingo, o ponto de partida do Folio e a forma como foi entendido pela autarquia. O presidente da Câmara confirmou que havia proposto alargar o projecto a mais quatro autarquias do Oeste, até porque inicialmente este era um projecto destinado aos municípios da OesteCIM. Uma ideia que está a ganhar forma para as próximas edições.

O professor e o autor de crónicas políticas

Nasceram no mesmo ano, as mães andaram no mesmo colégio (Odivelas), um é de esquerda e outro de direita. Ferreira Fernandes e Marcelo Rebelo de Sousa estiveram à conversa, durante quase duas horas, a propósito do livro do primeiro “As eleições que todos queriam ganhar”, que reúne as crónicas que foi escrevendo durante o mês de Agosto com pseudónimo sobre a pré-campanha das legislativas que decorreu no mês seguinte.
Política, muito humor, sentido critico e os lances mais inesperados compõem  os artigos do cronista do DN que “demonstrou que conhece bem a política portuguesa e que tem muito talento”, destacou Marcelo Rebelo de Sousa, acrescentando que este tipo de folhetim (político) escrito não tem muitos antecedentes no país.
Ferreira Fernandes partilhou, com uma sala repleta (entre eles muitos jornalistas), que hoje aprende-se mais sobre política em séries como o Borgen, House of Cards ou Newsroom, do que ouvindo os noticiários.
Da assistência Zita Seabra perguntou se Ferreira Fernandes irá repetir o folhetim para a campanha das presidenciais e Marcelo, no final, secundarizou o pedido. O cronista não sabe ainda se o irá fazer, mas garantiu desde logo que as personagens teriam um cunho impressionista, dando de seguida uma pequena lição de jornalismo.
Marcelo Rebelo de Sousa, agora candidato a Presidente da República, aceitou o convite para participar no Folio era ainda comentador politico e, garantiu que se viesse nessa qualidade, “os presentes não jantariam às 21h00”. Isto porque o momento é particularmente interessante e, embora se escusasse a falar sobre política, não resistiu a dizer que este é um “momento muito difícil para os protagonistas políticos porque há um grau de responsabilidade muito grande”. Já aos comentadores é permitido traçar vários cenários.
O professor, que chegou meia hora antes à livraria da Adega (uma das poucas de Óbidos que ainda não conhecia), depressa se dirigiu às suas estantes e, minutos depois, juntava oito livros para levar, entre um sobre budismo para a filha e autênticas “relíquias” como a Vida Académica Coimbrã, ou obras de Manuel Mendes, Irene Lisboa e João de Barros.
Já Ferreira Fernandes estará em Óbidos amanhã para ouvir Luís Fernando Veríssimo, o escritor brasileiro “que mais bem escreve em português” e que o ensinou a ser jornalista.
Minutos depois, na Igreja da Misericórdia, Diogo Infante e João Gil interpretavam a Ode Marítima, de Álvaro de Campos, perante uma sala completamente lotada. Durante os ensaios, o actor falava aos jornalistas sobre a novidade que era levar a peça a um templo e confessou que tinha “algum pudor” em dizer algumas passagens do texto na igreja “pela violência que têm” mas, por outro lado, que Álvaro de Campos ficaria feliz porque “a provocação que está implícita ganha aqui uma nova dimensão”.

Óbidos é o “cenário ideal” para a Viagem do Elefante
elefante DSC_0279 copyDomingo ao final da tarde, o elefante Salomão sairá da vila, encerrando oficialmente o festival. Para trás, e durante seis dias, deixa o caminho feito entre Lisboa e Viena de Áustria, acompanhado pelo tratador e a comitiva.
Em Óbidos a viagem foi diferente da quem tem sido representada pelo resto do país, com o Trigo Limpo Teatro ACERT a dividir a história por seis episódios. E o resultado não podia ser melhor, na opinião do encenador José Rui Martins.
“O público tem, em cada um dos dias, uma antevisão do dia seguinte e um  resumo do que se passou no dia anterior”, disse, explicando que há também uma adaptação ao próprio espaço. O elefante de seis metros, que começou por estar instalado do lado de dentro da entrada da vila, esteve depois frente à Livraria de Santiago, percorreu a Praça Josefa d’Óbidos, a Praça do Hospital e segue para a Praça do Município.
“Este é um espaço magnífico”, considera o encenador, destacando que a arquitectura local  permite situar nas ambiências da peça. “O cenário natural de Óbidos assenta como uma luva para a Viagem do Elefante”; rematou.
Aos actores juntam-se 30 figurantes locais que tornam este espectáculo único.
José Rui Martins tem acompanhado o festival e demonstra um desejo: “transformar Óbidos numa vila literária e fazer um grande acontecimento que é uma porta para a Europa”, até porque, diz, Portugal tem do ponto de vista da literatura o que de melhor existe no mundo.
“Julgo que podia ser um acontecimento de bandeira da cultura nacional”, revelou o actor que também levou ao Folio o espectáculo musical “20 Dizer”.

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