Como o futebol pode ensinar História, Política e Relações Internacionais

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Os investigadores Tiago Fernandes e Raquel Vaz Pinto apresentaram os livros numa sessão moderada por Diana Soller e Carlos Gaspar|Fátima Ferreira

A forma como se pode utilizar o futebol para ensinar relações internacionais foi um dos assuntos abordados na 12º edição dos Cursos de Verão, que decorreram em Óbidos, entre 15 e 17 de Setembro.  Organizado pelo Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI), da Universidade Nova de Lisboa, o evento teve por tema “A Unipolaridade, Democracia e Capitalismo” e juntou 23 participantes entre estudantes, investigadores e dois embaixadores.

“Porque é que o patrocinador das camisolas do Atlético de Madrid é o Azerbeijão?” A pergunta, que remonta a 2014, foi feita pela professora universitária Raquel Vaz-Pinto aos seus alunos na aula de História do Século XX para abordar a importância dos recursos energéticos nos países desenvolvidos, captando assim a atenção dos estudantes.
Este é um exemplo que mostra a relação entre as Relações Internacionais e o mundo do futebol e que consta do livro “’Para lá do relvado – O que podemos aprender com o futebol”’, que foi tema de conversa com a autora, nos cursos de Verão em Óbidos.
A investigadora do Instituto Português de Relações Interna­cionais (IPRI), fervorosa adepta do desporto rei, não aborda nada do que se passa dentro das quatro linhas, mas sim as dimensões políticas, históricas, económicas que lhe estão associadas.
As tensões do nacionalismo/internacionalismo é um desses casos. Devem as grandes equipas ter cotas de jogadores nacionais ou ir buscar os melhores do mundo? Esta uma das perguntas da autora, que dá o exemplo do Atlético de Bilbao, que só tem jogadores bascos.
O futebol pode também ser objecto de reflexão ao nível da meritocracia, globalização, racismo e questões identitárias. “Um jogo entre o Barcelona e o Real Madrid não é só um jogo de futebol e isso também nos ajuda a compreender porque é que aos 17 minutos e 14 segundos existe uma explosão de gritos independentistas, em Camp Nou [campo do Barcelona], que lembra o 11 de Setembro [de 1714], que foi a data em que Barcelona, depois do cerco, claudicou perante Madrid e o seu poder centralizador”, exemplificou.
E há países sem qualquer tradição em futebol, como a China, que usam este desporto como instrumento de afirmação no mundo. É chinês o detentor de 20% do Atlético de Madrid e, recentemente, aquando da visita do presidente da República Popular da China ao Reino Unido, foi abordada a compra de uma parte do Manchester United por parte de investidores chineses.
A conversa, que decorreu na Livraria de Santiago, na tarde de 15 de Setembro, teve também como protagonista Tiago Fernandes, um investigador que se dedica ao estudo da Sociedade Civil. Na obra, “Sociedade Civil,” que resulta da sua tese de doutoramento, o autor compara a sociedade civil portuguesa com a de outros países e mostra que esta “não é fraca”, com cerca de 30% da população adulta filiada em associações e sindicatos. No entanto, destaca que “não está tudo bem” e que nos últimos 15 a 20 anos esta participação tem vindo a decrescer, facto que “é mau para a qualidade da democracia”.
Tiago Fernandes destacou a elevada participação dos cidadãos em organizações ligadas à área social e lembrou que Portugal é o país da Europa do Sul com as maiores manifestações (em percentagem de população), referindo-se às ocorridas em 2012 e 2013 – “Que se lixe a troika!”, como resposta à austeridade imposta pelo governo de Passos Coelho.
“Uma sociedade civil forte é uma arma contra a dominação sócio-económica”, disse o investigador.

A terceira globalização

O antigo presidente da Caixa Agrícola e o ex-ministro das Finanças no governo de Francisco Balsemão (1981-83), João Costa Pinto e João Salgueiro, respectivamente, foram convidados a falar sobre a crise do capitalismo.
De acordo com João Costa Pinto, os problemas com que se debate o capitalismo global são uma desigualdade crescente na acumulação e distribuição de riqueza, desaceleração da melhoria da produtividade e a acumulação de capital financeiro. “Vive-se uma espécie de interregno, em que as forças que impulsionaram o capitalismo, melhorias de produtividade e maior distribuição de riqueza, estão a esgotar-se e a nova onda de inovação tecnológica ainda não está a exercer os seus efeitos”. A esta onda de inovação tecnológica referem-se a robotização, energia barata ou inteligência artificial.
João Costa Pinto salientou que grande parte das dificuldades foram provocadas por uma onda de crédito, que levou a um endividamento massivo, e “hoje, as próprias autoridades monetárias estão a tentar recriar, artificialmente, uma onda de procura de crédito”. Um problema para o qual o orador não vê explicações muito claras.
João Costa Pinto revelou ainda que com esta crise bancária, a confiança cega que os portugueses tinham nos bancos está a desaparecer.
Por seu lado, o economista João Salgueiro referiu que é muito repetido que estamos a viver uma crise financeira por culpa da banca, mas que os bancos fizeram o que lhes deram condições para fazer. Entende que a solução para o país não passa pelo aumento dos salários, pois as pessoas não irão consumir o que se produz em Portugal, criando riqueza e relançando a economia.
Na sua opinião, actualmente vive-se a terceira globalização, dos componentes tecnológicos, que permite transportes muito mais baratos e eficazes e mais telecomunicações. Característico dos nossos dias é também a aceleração da mudança, nomeadamente com a quantidade de recursos colocados ao serviço da investigação e a trabalhar em rede.
Embora europeísta, João Salgueiro disse ainda que nos tempos actuais não faz sentido falar em eurocentrismo, pois a Europa já não está em posição de dar lições ao mundo. “Não tem a atitude científica de ver o que se está a passar nos outros continentes e tentar perceber que consequências é que isso vai ter para o mundo e para a Europa”, concretizou.
O economista considera que actualmente a União Europeia é um “desperdício de oportunidades”, onde há contradições graves e falta de competitividade. “O objectivo de contribuir para uma democracia duradoira e para o progresso económico é pormos condições para que a economia progrida, que se crie mais emprego e que reduza a carga evolutiva fiscal”, defendeu, destacando que é preciso resolver os problemas e responder aos desafios e não “repetir” as coisas do passado.
Os cursos de Verão realizam-se em Óbidos, anualmente, desde 2004. Esta 12ª edição contou com a presença de 23 participantes e teve a coordenação científica de Carlos Gaspar, Tiago Fernandes e Diana Soller, do IPRI.