A 14 de Junho, dia em que foi inaugurada a exposição que realçou o trabalho da Casa Cardina na produção de relógios de torre, foi divulgado pela Câmara da Nazaré que o Largo do Elevador vai passar a ter o nome de José Pereira Cardina, que ajudou a divulgar o nome da vila piscatória pelo país. A mostra está patente no Museu Dr. Joaquim Manso até 2 de Julho.
Natural de Porto de Mós, José Pereira Cardina veio para a Nazaré em 1909 atraído pelos reputados banhos quentes salgados para se curar de um acidente com cal. Cardina não é apelido, é alcunha e foi-lha dada já na Nazaré. Surgiu porque um dia José Pereira, ao entrar numa taberna viu um indivíduo muito bêbedo, que ia a sair e disse: “que grande cardina!”. A expressão provocou uma risada geral e a partir daí esta palavra colou-se-lhe ao nome.
Começou por ter uma oficina de relógios de bolso na praça Sousa Oliveira, no local onde mais tarde se instalou o quiosque do Baptista dos Jornais. Por volta de 1920, acabou por comprar um terreno com um barracão de madeira, onde foi a sua casa. Só que o barracão ardeu e construiu-se o prédio que serviu de oficina.
A primeira grande encomenda foi o relógio, que ainda hoje pode ser visto no Santuário de Nossa Senhora da Nazaré. A casa Cardina foi-se destacando numa Nazaré dominada pela indústria pesqueira e conserveira, mas também pelo turismo. O nome da vila aparecia um pouco por todo o país nas torres do relógio, que eram à época lugares centrais. Os relógios de torre tinham também eles outra importância, visto que na altura os relógios de pulso não estavam ainda democratizados e o ritmo de muitas vilas e aldeias era marcado pelo bater das horas nos sinos das torres das igrejas .
A expansão começou pelo centro de Portugal, mas rapidamente chegou a outras zonas. Na época, a Casa Cardina enfrentou muita concorrência da casa Cousinho, outro dos nomes fortes da relojoaria grossa em Portugal.
José Pereira Cardina nasceu em 1882 e faleceu 1953. Tinha apenas a 4ª classe e não se sabe ainda onde aprendeu a trabalhar com relógios de torre. É um mistério que está por resolver. Na sessão que se seguiu à inauguração da exposição que deu a conhecer o trabalho do autor, levantaram-se algumas pistas: poderá ter aprendido com um militar que conheceu no Sanatório da Parede (quando se curava do acidente com a cal). Mas há outra pista: nalgumas fotografias o relojoeiro aparece ao lado de um indivíduo que se sabe ser francês mas que não foi ainda identificado.
Uma lição de História sobre o tempo
Fernando Correia de Oliveira, jornalista há 40 anos que tem investigado a questão do tempo, foi o orador da conferência que se seguiu à inauguração. “Relojoaria de Torre em Portugal – de Norte a Sul, em voo de pássaro”, foi o título da sua intervenção.
Em Portugal os primeiros relógios mecânicos de torre poderão ter sido introduzidos pelas comunidades religiosas, especialmente os Beneditinos, “mas não há documentos que validem esta teoria”.
O primeiro que se tem conhecimento foi colocado em 1377 na Sé de Lisboa. “O poder religioso emite o tempo, mas o poder político e o poder económico associam-se ao esforço de investimento”.
Nesta época, “o tempo religioso comandava o tempo social”. Mais tarde, “o poder político já rivalizava com o poder religioso na marcação do tempo”. Fernando Correia de Oliveira fez notar que o poder judicial tinha, também ele, os seus marcadores de tempo, tal como o poder militar.
Na Idade Média Tardia ter um relógio era um investimento brutal porque obrigava a contratar também um relojoeiro. Quando estes faleciam, eram as suas mulheres e filhos quem se candidatava aos lugares vagos para temperar o relógio (oleá-lo).
Em 1755, com o terramoto, deu-se “o primeiro grande cataclismo sobre a relojoaria grossa em Portugal”. O segundo foram as invasões francesas (com sinos e máquinas derretidos para fazer balas) e o terceiro a extinção das ordens religiosas.
Os relógios marcavam o tempo, mas quando se mudava de cidade a hora mudava também. É que, como não havia uma forma global de marcar as horas, “o tempo de Lisboa, não era o de Mafra, e o de Coimbra não era o do Porto”.
Essa discrepância resolveu-se em 1912, no momento em que a hora portuguesa fica subordinada ao meridiano de Greenwich. Ou seja, até à monarquia, o tempo era nacional, sendo o sistema republicano quem adere à hora global. E assim, a 1 de Janeiro desse ano, os relógios em Portugal foram adiantados 36 minutos, 34 segundos e 68 centésimos, desaparecendo situações caricatas como “a diferença de cinco minutos entre o relógio interno e externo de algumas estações ferroviárias”.
Relógio da igreja de N. Sra. Pópulo está guardado no museu
Uma curiosidade: o mosteiro dos Jerónimos ia tendo relógio, mas houve um grande desastre que deitou, literalmente, por terra esta hipótese: a torre caiu depois de uma noite de chuva, matando dezenas de operários.
Quanto às Caldas, esclareceu-se na sessão que o relógio da igreja de Nossa Senhora do Pópulo está guardado no Museu do Hospital e da Cidade.
E ainda no campo das curiosidades, o jornalista afirmou ter provas de que foram os jesuítas portugueses que introduziram os relógios mecânicos na Ásia e explicou que foram inclusivamente usados para subornar os locais e pagar a entrada em cidades onde esta era proibida.
Numa espécie de conclusão, poder-se-ia citar Fernando Correia de Oliveira quando diz que hoje em dia “quase toda a arqueologia industrial relojoeira em Portugal está em péssimo estado”. Muita foi comprada por pessoas interessadas neste tema, na grande maioria da Europa Central.