Entrevista a Carlos Moedas, comissário Europeu para Investigação, Ciência e Inovação

0
1216
comissário Europeu para Investigação, Ciência e Inovação
O debate sobre a Europa tem de ser feito nos países, com as pessoas. Não será a Comissão a dizer às pessoas o que devem pensar | DR

No âmbito do Livro Branco apresentado pelo Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, que incentiva o debate alargado sobre o futuro da UE, Gazeta das Caldas participou, a convite da Comissão Europeia, numa entrevista ao comissário Carlos Moedas, que foi feita em conjunto com os jornais As Beiras, Correio do Minho, Região de Leiria, Sul Informação, Correio dos Açores e DN Madeira.

 

PERGUNTA – Por que razão é importante avançar com este Livro Branco neste momento?
CARLOS MOEDAS – Vivemos um momento crítico. Tivemos dois anos muito difíceis:  a crise de refugiados, os atentados terroristas, o Brexit… E desde 2008 vivemos, primeiro uma crise financeira, depois uma crise económica e, hoje, ainda temos um crescimento abaixo das expectativas e elevado desemprego. Momentos de crise requerem respostas determinadas. E a marca da União Europeia, nos seus 60 anos de vida que comemoramos por estes dias, é a capacidade de se adaptar e superar as crises. Este é o momento de fazer escolhas sobre o que queremos para o nosso futuro. Este documento é um passo neste processo de mudança. É um documento que apresenta caminhos e as consequências positivas e negativas de cada caminho.

Parece-lhe que será possível lançar um verdadeiro debate sobre o futuro da UE. Não estão os Estados-Membros demasiado  afastados das instituições?
É possível e é necessário. Alguns governos europeus têm por vezes a tentação de estar “afastados” das instituições quando se invocam obrigações e responsabilidades em prol do bem comum e “próximos” quando o que está em causa são benesses para o seu país. É o que o Presidente Juncker intitula de “Europeus em part-time”. É isto que temos que combater. A UE é feita de todos nós, não é “Bruxelas” que pode servir de bode expiatório quando dá jeito. Por isso é que a Comissão não procura com este documento impor um caminho. Procura, pelo contrário, abrir um debate com todos e para todos. Procura que esse debate seja realista, para que se façam escolhas conscientes dos benefícios mas também dos custos de cada cenário.  São os países e as pessoas que têm que escolher o caminho.

“As pessoas culpabilizam a Europa por um poder que a Europa não tem”

Acha os cidadãos equivocados ou com demasiadas expectativas em relação à UE?
Há, muitas vezes, um desfasamento entre as expectativas que as pessoas têm da Europa e o que a Europa pode de facto fazer. Por um lado, infelizmente é demasiado tentador responsabilizar “Bruxelas” por decisões, às vezes impopulares, que os próprios Estados Membros tomaram. Por outro, é também por vezes difícil explicar com clareza “quem faz o quê”, ou seja, as políticas e ações que são da responsabilidade dos países, e as que são oriundas da União Europeia. Uma das maiores dificuldades hoje da Europa é as pessoas pensarem que nós podemos fazer coisas que não podemos. Que temos poderes de fazer e decidir aquilo que não podemos. O Presidente Juncker dá o exemplo muito interessante sobre o desemprego juvenil. Ele disse que as pessoas esperam que a Europa resolva o desemprego juvenil. A Europa pode ter programas de estágios, pode fazer investimentos que podem estimular a criação de emprego, mas a EU só controla 0,3% daquilo que é o orçamento em relação às despesas sociais na Europa. 99,7% desse orçamento é decidido pelos países, mas as pessoas pensam que é a Europa. E culpabilizam a Europa por um poder que a Europa não tem.
 
Admite que o desencanto sentido por uma parte dos europeus face ao projeto da UE possa conduzir, ainda este ano ou em 2018, à possibilidade de outros países solicitarem uma saída do projeto, tipo Brexit? Neste cenário de resultados eleitorais mais negativos, que poderá fazer a Comissão Europeia para atalhar o problema?
Na apresentação do Livro Branco, o Presidente Jean-Claude Juncker sublinhou a importância do projeto europeu não ficar refém de agendas políticas nacionais e de ciclos eleitorais. No entanto, temos de admitir que vivemos também um momento difícil na história da União Europeia, porque pela primeira vez um Estado Membro decidiu sair. E se, embora me entristeça, é uma decisão que respeito, é também uma decisão que nos obriga a refletir sobre o rumo que a Europa deverá seguir com 27 Estados Membros. As razões do Brexit são tristes e profundas. Vários governos britânicos, independentemente da cor partidária, usaram Bruxelas como bode expiatório de todos os males. Se a isso, acrescentarmos problemas na comunicação das vantagens do projeto Europeu, a falta de isenção em grande parte da imprensa inglesa, e outros elementos, temos os condimentos de uma crise. E esse é o real problema do que vivemos hoje. As pessoas esquecem-se que a União Europeia é composta pelos países e são esses países que fazem essas escolhas. É o propósito deste Livro Branco sobre o futuro da Europa: oferecer vários cenários aos países e aos cidadãos europeus para poderem escolher de forma consciente e cientes das consequências. Felizmente, em geral, os portugueses têm sido sempre defensores do projeto europeu. Mas temos que ter cuidado para o futuro, porque começamos já a ver que algumas pessoas começam a perguntar «será que vale a pena?» E só isso já é preocupante.

Face à perda de influência demográfica e económica da Europa será de temer a subjugação financeira da Europa ao poderio dos EUA, China e grandes gigantes asiáticos em conjunto?
Temos de perceber a realidade em que estamos de uma Europa que cada vez representa menos no mundo. Repare que a Europa há 20 anos atrás representava 30% do PIB mundial e hoje apenas 20%. Ao mesmo tempo, a China era 2% e hoje é 17%. Assim, daqui a 20 anos, um país como a Alemanha nem sequer estará no G7. Perante este cenário, temos que escolher e temos que pensar: o que é que nós vamos ser daqui a 20 anos. Portanto, para mim, a única opção válida é de nos mantermos unidos porque os problemas são globais, não os conseguimos resolver sozinhos.

“Os cinco cenários são válidos e todos eles têm vantagens e inconvenientes”

Parece-lhe possível revolucionar o futuro da União no quadro das atuais instituições ou antevê mudanças nesse âmbito?
O documento diz a certa altura que a forma deve seguir a função, isto é, primeiro temos que escolher o que queremos para a Europa e depois certamente saberemos fazer as reformas institucionais necessárias. A força da Europa é precisamente a sua “adaptabilidade”. Há 60 anos eram 6 países e crescemos até 28, com avanços e recuos. Mas a marca comum é a adaptabilidade. Instituições robustas são as que se sabem adaptar.  Dito isto, também estou consciente que mais importante que as questões institucionais é ter cada vez mais capacidade de melhorar a vida quotidiana dos cidadãos.

Entre os cinco cenários apresentados, há alguns passíveis de restringir a livre circulação de cidadãos entre Estados-Membros. Isso não poderá ser altamente penalizador para a economia, nomeadamente para setores chave para Portugal como o do turismo?
Os 5 cenários são válidos e todos eles têm vantagens e inconvenientes. Convido todos a ler este documento e estou certo de que vão perceber que os cenários de retrocesso ou de fazer menos têm custos enormes para a vida das pessoas. Por exemplo, vamos ficar-nos por um mercado único de mercadorias sem uma liberdade de circulação dos cidadãos dentro da UE? Obviamente, eu sou um europeísta convicto e produto do projeto europeu. Saí muito novo de Portugal e estive em vários países europeus, e por isso a minha escolha pessoal é clara: a escolha de achar que a Europa deveria estar mais unida. Os problemas são globais e deveríamos fazer mais em conjunto. Mas quem sou eu? Eu acho que os cidadãos têm de fazer as suas escolhas.

Com a apresentação dos cinco cenários possíveis para a UE em 2015, como é que se espera conseguir um debate amplo, aberto e profundo, envolvendo as bases – ou seja os cidadãos – ao mesmo tempo que se admite que existe um enorme desconhecimento em relação ao que as instituições europeias fazem e uma grande falta de memória sobre o que a Europa representou para cada um dos países nas últimas seis décadas? Que instrumentos serão colocados ao dispor dos cidadãos para se poderem pronunciar sobre os cenários que são colocados e que influência poderão ter na escolha final? Em qual cenário acha que as gerações mais novas podem encontrar esperança?
Eu acho que esta iniciativa é um exemplo de como a Comissão Europeia quer fazer política de forma diferente. A política antes fazia-se muitas vezes de porta fechada, os líderes reuniam-se, decidiam e impunham o caminho. Hoje em dia, não se pode fazer política assim, especialmente tendo em conta as gerações mais jovens. A política tem de ser feita, não para as pessoas, mas com as pessoas. Temos acima de tudo que dar-lhes toda a informação para que tomem decisões conscientes. Aquilo que fizemos com a apresentação do Livro Branco foi exatamente isso: abrir o debate a todos, apresentando os vários cenários e as consequências de cada cenário. E apresentamo-los no Parlamento Europeu, a casa dos deputados eleitos diretamente pelos europeus. Temos muitos canais já abertos para que os cidadãos participem, mas o que queremos mesmo é incentivar que as pessoas tenham mais consciência das várias opções. Esta escolha, e as respetivas consequências, não podem ser tomadas pela Comissão Europeia mas por cada um dos 500 milhões de cidadãos da UE. O debate tem de ser feito nos países, com as pessoas. Não será a Comissão a dizer às pessoas o que devem pensar.