Ter recordações ou memórias não quer dizer sentir saudades. Recordo os meus pais, os meus familiares, os meus amigos que já não estão comigo. Recordo a infância dos meus filhos. A minha vida. As coisas que tive. Os locais que conheci.» Um dos pontos deste livro é na página 14 a dissertação sobre a posteridade em literatura: «Há nomes imortais, reconheço. Certezas, só uma: a de serem lembrados, enaltecidos, não pelos seus pares (raramente o fazem) mas pelos seus leitores. É aí que reconheço a glorificação, a imortalidade de uma obra.» Este é um livro diferente, não um livro mas o livro: «Talvez um livro onde estejam patentes a biografia, as memórias, as crónicas. Sim talvez um livro que represente um pouco de tudo isso.» Nascida em Lisboa, Soledade Martinho Costa foi viver para Alverca do Ribatejo com 10 anos: «Saí de casa dos meus pais quando me casei mas continuei a morar, até hoje, na mesma rua. Rua que permanece praticamente igual, quando a localidade era a pequena vila ribatejana que conheço desde a infância.»
Belíssima é a evocação de Fernando Assis Pacheco no Diário de Lisboa em 1979: «Vou fazer-lhe três perguntas: quando quer começar; quando terei em mão o primeiro texto e se poderei contar com uma entrevista, entregue, rigorosamente, todas as semanas, para serem publicadas às quintas-feiras.» Tal como é belíssima a memória da Banda Desenhada: «Depois de dizer «bom dia» ao Senhor Adão, ele entregava-me «O Papagaio», «O Mosquito», «O Diabrete», «O Cavaleiro Andante». Mas não é só Literatura; este livro integra memórias do sangue pisado da vida, como o caso de uma avó da autora a quem morreram dois filhos, Margarida e Bento: «A mãe que perde filhos nunca mais alivia o luto». Outra memória sentida é a de Alice Gomes, irmã de Soeiro Pereira Gomes, casada com Adolfo Casais Monteiro: «Impedidos de exercer a carreira de professores liceais em escolas do Estado, contava-me que tinha sido por intermédio (paradoxal) de Fernanda de Castro, mulher de António Ferro, que haviam conseguido colocação no ensino privado.» O título feliz deste livro está na página 207, na fala de uma neta da autora: «Olha, papá, a estátua do avô Rafael está aqui, dentro do teu coração.»
(Editora: Vela Branca, Prefácio: Rui Vasco Neto, Capa: Hélder Lopes sobre tela de Peter Wilhelm Ilsted, Revisão: L. Baptista Coelho)