Luiz Pacheco e Ferreira da Silva em revista de cultura libertária

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Notícias das Caldas

Foi lançada no Museu do Aljube (célebre prisão lisboeta), a 28 de Janeiro, a revista de cultura libertária, A Ideia que reúne artigos sobre Luiz Pacheco e Ferreira da Silva.
O escritor maldito e o jovem ceramista eram amigos nos idos anos 60, tendo vivido e trabalhado nas Caldas naquela época, quando foi feita uma tentativa para criar a revista Abjecção, que ficou pelo caminho face à repressão da censura e da PIDE.

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O escritor Luiz Pacheco vivia em 1965 nas Caldas da Rainha, na entrada da Rua Raphael Bordallo Pinheiro e nesse ano trocou correspondência com o pintor e poeta surrealista Cruzeiro Seixas, alguma dela já publicada. “Nessas cartas desenhou-se uma nova revista a publicar, coordenada pelos dois, chamada “Abjecção” que teria colaboração do grupo surrealista que se reunia em Lisboa”, disse o director de A Ideia, António Cândido Franco que a lidera desde 2012 (ver caixa).

Pacheco e Cruzeiro Seixas recolheram colaboração e prepararam dois números que deveriam aparecer no ano de 1966 e que teriam em destaque Bocage (que em 1965 comemorava o segundo centenário do seu nascimento), Mariana Alcoforado, Lewis Carroll, Jacques Vaché e o Marquês de Sade, “que era então um desconhecido em Portugal”, explicou o director.
No final de 1965, as edições Afrodite editaram a Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica organizada por Natália Correia, “e que foi imediatamente apreendida e processada judicialmente”. O editor, a organizadora e vários colaboradores (entre eles Mário Cesariny e Luiz Pacheco – escapou Cruzeiro Seixas, o ilustrador) “foram processados e ficaram a aguardar julgamento por ofensas à moral pública”.
Em Março de 1966 o mesmo editor, Fernando Ribeiro de Mello, publica a primeira edição comercial de Sade em Portugal de “A Filosofia na Alcova”, tradução de Herberto Helder, prefácio de Luiz Pacheco (escrito e datado das Caldas da Rainha) e ilustrações de João Rodrigues. “Todos foram processados por ofensas à moral e aos costumes; todos a aguardar julgamento. Com este quadro repressivo, foi impossível avançar com a edição da revista “Abjecção”, que sobreviveu apenas enquanto título e projecto nunca concretizado”, explicou António Cândido.
A Ideia decidiu fazer postumamente, no seu número quádruplo de 2016, aquilo que não pôde ser feito em 1966. “Cinquenta anos depois, fizemos a revista “Abjecção” com os mesmos autores, temas e orientações”, disse o responsável, acrescentando que as Caldas da Rainha tinham de ocupar lugar neste número.
Luiz Pacheco, um dos coordenadores da revista “Abjecção” vivia então nas Caldas e “muito se dava com um jovem ceramista do meio caldense, Ferreira da Silva, que chegou a entrevistar para o Jornal de Letras e Artes e que viria decerto a ser um dos colaboradores da revista “Abjecção” caso esta revista tivesse seguido o seu curso normal, sem os acidentes da censura e da repressão”, disse o actual director.
Este último ainda chegou a falar com Ferreira da Silva no sentido de se lhe fazer uma entrevista sobre a vida cultural nas Caldas nos anos 60 do século XX e o seu relacionamento com Luiz Pacheco. “Deu-se o caso de Ferreira da Silva falecer pouco depois, em Março de 2016”, referiu. A entrevista não avançou mas a presença de Ferreira da Silva “acabou por se impor naturalmente”.
O diretor da Gazeta, José Luiz de Almeida Silva traçou-lhe o retrato e “eu, numa secção final não assinada fiz duas ou três pequenas notas sobre o seu trabalho e sobretudo sobre as suas relações com Luiz Pacheco”. António Cândido também se socorreu dos trabalhos de João B. Serra, a quem também presta homenagem nas notas finais deste número da revista.
António Cândido acha que, quem queira trabalhar a obra de Luiz Pacheco na década de 60 do século XX tem que, obrigatoriamente de passar pelo capítulo final do seu livro, Continuação (2000), “O libertino passeia nas Caldas”, de João Serra, obra que foi editada pela Gazeta das Caldas.

Colaboração com o Oeste prossegue em 2017

Em 2017 a revista vai querer assinalar o centenário da revolução de Outubro na Rússia. “Cem anos depois talvez faça sentido recordar o que os libertários disseram nos anos que se seguiram a essa espantosa convulsão social”, disse o director.
António Cândido quer ainda continuar a contar com a colaboração de José Luís de Almeida Silva e também com a do poeta Levi Condinho, de Alcobaça e que já colabora com a revista desde 2013. A Ideia gostaria ainda de contar com colaborações de Armando Silva Carvalho (natural de Óbidos), de Mariano Calado (Peniche) e de Isabel Xavier (Caldas da Rainha).
A revista pode ser adquirida numa das depositárias que em Lisboa é a Livraria Letra Livre, na Calçada do Combro. Pode ser adquirida na Livraria Ler Devagar. A revista tem uma tiragem média de 500 exemplares vivendo apenas com donativos voluntários.

Uma revista cultural de pendor político que surgiu em Paris

A revista “A Ideia” nasceu em Paris em 1974, ainda antes do 25 de Abril e na época tinha uma forte componente política dado que foi fundada pelo professor jubilado do ISCTE João Freire, que foi o primeiro oficial da Marinha a desertar durante a guerra colonial, em 1968. A revista sobreviveu ao longo deste período e teve um período de notoriedade na década de 80, tendo estado associada a luta anti-nuclear e pertenceu à organização do Festival Pela Vida nas Caldas da Rainha. Em 1992 autodissolveu-se, mas no início do século XXI, retomou a publicação regular, mantendo-se o seu fundador e uma equipa de colaboradores próximos.
A Ideia é dirigida desde 2012 por António Cândido Franco, professor da Universidade de Évora, e desde então tornou-se uma revista de cultura libertária, isto é, “que se rege por uma ética livre e serve a liberdade e a libertação”, explicou. Um dos temas que a partir daí privilegia é o surrealismo em Portugal.
Já na década de 80, a revista contou com a colaboração de Mário Cesariny que mostrou simpatia por este tipo de publicação. Hoje tem o apoio e a colaboração de Cruzeiro Seixas, com 97 anos de idade, que esteve presente e fez uma intervenção na apresentação deste número de 2016 no Museu do Aljube, em Lisboa. Cruzeiros Seixas é um dos nomes históricos do surrealismo em Portugal, juntamente com Mário Cesariny, Alexandre O´Neil, António Pedro, Pedro Oom, António Maria Lisboa, Vespeira, entre outros.