Na próxima segunda-feira 11 de Abril, será exibido no CCC o documentário “Pára-me de repente o pensamento”, realizado por Jorge Pelicano, autor também dos filmes “Páre, Escute e Olhe” e “Ainda há pastores?”.
O seu último filme trata por tu a esquizofrenia. Foi filmado no Porto, no Conde Ferreira, o primeiro hospital psiquiátrico construído de raiz no país há 131 anos. E é através da sua câmara que mostra algo “que não é compreendido pela sociedade”. Com a presença do actor Miguel Borges – que durante três semanas viveu naquele hospital – conta-se como é o quotidiano de quem sofre daquela doença num local onde “não falta amor, carinho e ternura”.
“Ali vivem pessoas que são estigmatizadas pela sociedade”, disse Jorge Pelicano à Gazeta das Caldas, antecipando um pouco sobre o filme que passa na próxima segunda feira no CCC. Nele conta-se como é a vida de quem sofre de esquizofrenia.
Nos seus filmes, Jorge Pelicano não recorre às tradicionais entrevistas. Por isso, quando chegou ao Hospital Conde Ferreira, há dois anos, para pesquisar para o documentário, “notei que iria ser difícil a interacção com quem ali vive”, contou. Precisava de um elemento de ligação para chegar às pessoas e fazer um filme que seria “uma espécie de update sobre como é viver num hospício nos dias de hoje”.
A ligação foi possível através do actor, Miguel Borges que é introduzido no hospital para procurar uma personagem para uma peça de teatro sobre a loucura. Lá dentro pede ajuda a um grupo de utentes que ensaia uma peça a propósito dos 131 anos da instituição hospitalar.
Passado o receio inicial, o actor entrega-se, passando a ser um do grupo, dormindo, comendo e convivendo com os doentes do Conde Ferreira ao longo de três semanas. E mesmo depois de terminado o filme, continuou a visitar os amigos que acabou por criar naquele espaço.
“Creio que para o Miguel Borges deve ter sido uma experiência ainda mais marcante do que a minha”, disse o realizador que ao longo da rodagem estava preocupado com questões técnicas e necessitava de se afastar ao fim do dia daquela realidade. Esse afastamento serviu igualmente para manter a distância necessária para poder realizar o documentário sem perder de vista o objectivo de contribuir para a perda de preconceitos com quem sofre de esquizofrenia.
“Eu nunca dormi dentro do hospital com o intuito de fazer o filme”, contou à Gazeta das Caldas, explicando que não o fez porque “há ali muitos chamamentos”. É que “onde quer a gente aponte a câmara há uma boa história para contar”.
Por isso, o ter rodado naquele espaço o “Pára-me” é algo que não vai esquecer tão depressa, até porque até então “eu nunca tinha entrado num hospital psiquiátrico”. E o que há lá então? “O que vimos ali foi muito amor, carinho e ternura”, responde Jorge Pelicano. Não só entre utentes como entre estes e os profissionais de saúde. E mesmo na enfermaria onde o documentário foi rodado “havia 50 utentes e nós não tivemos acesso a 90% das pessoas… não tivemos acesso a todas as histórias”.
No entanto o realizador concluiu que “conto a verdade sobre algumas das pessoas que habitam naquele espaço”.
Jorge Pelicano considera que tem um trabalho que lhe permite “abrir e entrar em muitas portas alheias”. Depois de ter dedicado um documentário à vida dos pastores e posteriormente ao fim da linha do Tua, foi a vez de se interessar pela doença mental. E ficou satisfeito com o facto de ter permitido “mostrar uma outra realidade, para que sem preconceitos se veja que são pessoas como todos nós, apesar de terem um problema mental”. Gosta até de pensar nelas como “pessoas especiais que devem ser olhadas de uma forma diferente”.
Os prémios são balões de oxigénio
“Pára-me de repente o pensamento” está a ser apresentado em dezenas de cidades portuguesas. Imediatamente antes das Caldas foi apresentado em Setúbal e no Barreiro, seguindo depois para Mértola e Coimbra. “É como se tivesse colocado o filme numa mochila e andasse com ele de terra em terra para que esta possa ser visto e discutido”, disse o realizador, acrescentando que “a cultura tem que ser mostrada a todos”.
O documentário foi um êxito. Venceu vários prémios nacionais (Grande Prémio, Melhor Realizador, Prémio do Público nos Festival Caminhos do Cinema Português) e continua em digressão por festivais internacionais, tendo já arrecadado o Prémio Signes, no Festival Signes de Nuit, em Paris, em 2014.
Para o realizador, “os prémios são balões de oxigénios” e dão-lhe mais uma oportunidade de continuar a filmar “subindo degrau a degrau”.
O documentário esteve oito semanas em exibição em Lisboa e no Porto, primeiro com uma sessão diária e depois com quatro, o que revela o interesse do público.
Na produção de “Pára-me” encontram-se dois profissionais oriundos da ESAD (Vasco Santa Martha e Tiago Maduro), bem como Filipe Carvalho, que é ele próprio um caldense.
Actualmente o realizador está a trabalhar em duas curtas-metragens para as quais está a escrever o próprio guião: uma sobre a sorte e o azar e a segunda sobre a amizade. Trabalha também em mini-séries documentais na produtora Até ao Fim do Mundo. Segue-se uma longa-metragem documental que já se encontra em pré-produção – subsidiada pelo Instituto do Cinema e do Audiovisual– sobre a pornografia em Portugal.