O cutileiro Paulo Tuna vive e trabalha nas Caldas há 25 anos, quando veio estudar Artes Plásticas para a ESAD. Os conhecimentos estéticos foram passados para as suas facas, hoje pedidas por chefs de cozinha de todo o mundo. Tuna, que acha que as Caldas poderia albergar um polo museológico, integra o top 50 das melhores “actividades” que se podem fazer em Portugal, numa selecção da revista internacional Monocle
Foi escolhido como um dos melhores na área do design e faz parte do topo das 50 melhores opções de “actividades” para fazer em Portugal. A selecção foi feita pela revista britânica Monocle e “foi uma agradável surpresa”, admite Paulo Tuna, um dos principais autores que desenvolve o seu trabalho no armazém, situado no número 19 da Rua Adelino Soares de Oliveira, que fica nas proximidades do Centro Comercial Avenida, nas Caldas. O cutileiro surge em destaque no Top Design ao lado de duplas de designers do Porto e da fábrica Bordallo Pinheiro.
Na lista desta revista estão as melhores paisagens, restaurantes, museus, empresas e vinhos e museus, arquitectura e as melhores actividades culturais.
O autor, que é também artista plástico, já foi alvo de notícia nas mais diversos órgãos de comunicação social. “Tenho divulgado as Caldas por todo o lado por onde passo”, disse à Gazeta o cutileiro, que desenha com frequência facas para os melhores chefes de cozinha como é o caso de René Redzepi, do restaurante Noma. É, pois, num armazém, agora transformado em oficinas de artesãos, que recebe os seus clientes, nacionais e estrangeiros e que também organiza workshops de cutelaria.
Em Dezembro passado, o Canal História gravou com Paulo Tuna parte do que será a próxima temporada do Forjado no Fogo, o programa que destaca a cuteleira artesanal por todo o mundo. Até às Caldas deslocou-se uma equipa da representação ibérica deste canal que já no ano passado filmaram outro cutileiro da região: Carlos Norte. Este último fez duas falcatas lusitanas, armas temidas pelos romanos. Este ano foi a vez de Paulo Tuna que, como se dedica sobretudo às facas de trabalho, criou para aquele canal uma faca da matança.
“Decidi fazer uma homenagem ao povo com este exemplar”, disse o cutileiro, acrescentado que esta faca mantém as mesmas características e o mesmo processo de construção de há milhares de anos.
FACAS DIFERENCIADAS
Paulo Tuna gosta de lidar com as pessoas e com pedidos especiais, fazendo os possíveis por interpretar o que pessoa quer, se com isso perder a autoria do projecto. Muitos dos clientes com quem o autor estabelece ligação chegando a tornar-se amigos. “O meu lema é uma faca para uma pessoa”, disse o autor que tanto tem como clientes chefs, cozinheiros, colecionadores, caçadores e talhantes.
As suas peças podem custar entre os 75 e os mil euros, dependendo do trabalho e Paulo Tuna até já trocou facas por refeições, por carne, por peixe e por vinho.
“Há quem veja as facas como armas letais”, disse o artesão, que prefere vê-las como “instrumentos de trabalho” e também como o “prolongamento da mão do homem”. Para o autor são também instrumentos que estão a servir e a contribuir para os momentos e antecedem o prazer da degustação.
Tuna sente-se confortável e diz que já fez mais de 500 facas. “É um trabalho fascinante e ainda me sinto a arranhar a superfície”, disse o autor, que tira partido dos seus conhecimentos de escultura para executar o seu trabalhos, desde o desenho até à concepção final. Ao longo do seu trajecto – iniciado em 2012 em part-time e a tempo inteiro desde 2016 – somam-se mil uma histórias.
Ainda no início da carreira, um cliente pediu-lhe que criasse uma faca especial com os melhores materiais e sem olhar para o preço. “Foi um verdadeiro desafio”, contou o cutileiro, que não esquece uma segunda história quando se deslocou ao Douro com a sua família. Um cliente pediu-lhe que desenhasse um cutelo e explicou-lhe que a faca teria que ser “para esta mão”. Tuna percebeu, então, que o homem não tinha dois dedos, cortados num acidente de trabalho. “Assim fiz”, contou o autor que ia fazendo experimentações, até conseguir o equilíbrio necessário a alguém a quem faltavam tais dedos. E também não esquece a alegria do seu cliente que lhe pagou a faca com vários garrafões de vinho e de aguardente.
Aço português e museu com loja e oficina de afiação
Paulo Tuna defende a criação de um pólo museológico relacionado com a cutelaria artesanal em Portugal nas Caldas da Rainha. “É algo que só faz sentido que surja nesta região, dado que é cá que existe a indústria e a área artesanal”, disse o cutileiro, que defende que nesse local, além de várias colecções, se promovesse o estudo das mesmas. O autor gostaria que esse espaço fosse dinâmico e que tivesse uma loja que tivesse à venda “o que de melhor de cutelaria se faz no país, não só de autor como também de unidades industriais”.
Para o artesão, este pólo também teria serviços de manutenção e uma oficina onde se pudesse afiar e fazer facas, mas também dar formação. “Seria um serviço que pudesse dar apoio aos novos cutileiros que vão surgindo”, disse o autor, acrescentando que uma das ideias principais seria a vinda de grandes mestres internacionais. Este viriam às Caldas para dar formação aos cutileiros em Portugal e assim “permitir que os seus trabalhos fossem subindo de nível”.
O transmontano defende também a criação de um aço 100% português, algo que ainda não foi feito, pois há sempre metais que vêm de fora. “Era interessante que um grupo de cutileiros pudesse fazer experiências laboratoriais, abertas ao público”, disse Paulo Tuna, antigo aluno e técnico superior da oficina de metais da ESAD, propondo ainda eventos relacionados com a fundição.