«Gadanha» de Aurelino Costa

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Gazeta das Caldas
| D.R

O poema «O derradeiro sítio» inclui um verso que pode ajudar a decifrar o título do volume: «Um guarda-rios salvou-me de morrer afogado…» De facto, na linguagem do Povo, gadanha significa mão e foi com a mão que o homem salvou o protagonista do poema. Gadanha não é apenas um símbolo para a perda como no filme «O sétimo selo» de Ingmar Bergman quando o actor joga xadrez com a negra figura da morte porque foi com a mão (gadanha) que o guarda-rios salvou o futuro do Poeta. Como refere António Cabrita no prefácio: «Fugido da escuridão da infância para o escuro da poesia, entre a agonia e o nada, o que persiste?»
Entre os vários méritos deste livro de 69 páginas, há nos seus versos um subtil diálogo entre o popular e o erudito. Vejamos o poema da página 26 («Isco»): «iu iu maria a tarde parece uma cotovia / iu iu maria a tarde parece uma cotovia / badamecos que para aí estais…» O poema da página 67 («31») é outro registo: «Em Hannover / a Hochshule für Musik / tem as marcas da guerra / nas bicicletas pedalam pombos / com seus instrumentos / um violoncelo ali vai empinado /em seu rabo de cavalo / como são livres os dias /em suas crinas lisas / num lago /que lentamente degela / os corvos em cio /despem-se para a lua.»
No texto de Francisco Duarte Mangas surge o inventário da paisagem deste livro: «A terra, o gado a ruminar eternamente a nossa infância, o ócio morno e sonolento do domingo, de súbito arrogam a gradeza da «pobreza que somos». É nessa paisagem que surge o ofício do poeta, cantoneiro de palavras: «Cantoneiros gravam a ferro / a respiração da terra / a lavoura é magra…» Entre a vida e a morte, entre a gadanha que salva e a gadanha que destrói, o poeta ouve com atenção as palavras do guardião dos livros: «como queiras, a morte é igual à vida / silenciosamente a gente há-de amar noutra quietude / noutro espaço …»
E, mais à frente, lê-se no mesmo poema uma espécie de resposta à mágoa da página 23. Nela o poeta advertiu: «Meu pai assobia… / Lembrei-me, ele nunca me leu e isso magoa-me» Mas o bibliotecário afirma: «Não te importes, a chuva cairá e tu / escreverás até morreres.»
(Editora: Modo de Ler, Prefácio: António Cabrita, Nota: Francisco Duarte Mangas)