UM LIVRO POR SEMANA / 572 / «Talvez a dúvida» de Rui Almeida

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Gazeta das Caldas
| D.R.

Rui Almeida (n.1972) mantém desde 2003 o Blog «poesia distribuída na rua» e tem vindo a publicar desde 2009 diversos livros de poemas: «Lábio cortado», «Caderno de Milfontes», «Leis da separação», «Temor único imenso» «A solidão como um sentido seguido de Desespero» e «Muito, menos». O seu mais recente trabalho («Talvez a dúvida») vai buscar o título aos versos de um poema: «Menosprezamos, talvez, a dúvida / E a frequência com que nos assola / Vinda de cima». O livro tem 32 páginas e, salvo erro, organiza-se em três sequências: a primeira tem 340 veros, a segunda integra 40 versos e é dedicada a João Concha / Ricardo Marques e a terceira, de 80 versos, pode ser lida como uma dissertação sobre uma peça para piano de João Paulo Esteves da Silva.

O ponto de partida da primeira sequência pode ser o verso «Aos quarenta e tal damo-nos conta de que nascemos no país errado / Numa margem mais fria do que a nossa capacidade de sentir». Entre o Poeta e o Mundo surge a escrita e o Poeta pergunta: «Vamos dizer o quê a quem? Rascunhos / de relatórios para serem entregues / àqueles que mais derem pela falha na métrica / ou pelo vazio do eco.» A outra escolha pode ser o silêncio: «Talvez a opção / Pelo silêncio nos leve a algum lado/ A uma espécie de Finisterra onde / Possamos deitar tudo fora e dar / Por perdida qualquer história universal.» A segunda sequência reflecte sobre o pó e a posteridade que é sempre relativa: «A vida é breve / Fazemos livros, deixamo-los nascer / Para que ocupem o espaço do nosso / Corpo e do nosso amor depois de morrermos.» A terceira sequência começa numa aproximação entre duas linguagens (musical e poética) e o poema afirma: «Mais do que uma gramática, o piano / Segue a regra de cordas em tensão / Que faz eco das memórias.» Na sua dupla inscrição de paisagem e povoamento, pó e posteridade, os poemas deste livro fazem o repúdio da indiferença: «Nós havemos de / Tropeçar, deixar-nos cair desamparados / Diante do cão da indiferença»
A nota final depois da leitura é a de estramos perante uma poesia sábia, culta, avisada: «O desconcerto do mundo outra vez / E não sabemos falar de outra coisa / O amor, a morte, uma telha partida / onde menos se espera / Tudo nos deixa inquietos.»
As ilustrações de Bárbara Assis Pacheco transformam este livro num álbum, num objecto estético apetecível com o seu fascinante mundo gráfico povoado por cães, pássaros e pequenos barcos sempre prontos a partir.
(Editora: Douda correria, Composição: Joana Pires, Capa e ilustrações: Bárbara Assis Pacheco)