Luís Tavares – uma vida dedicada à pastelaria

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“A partir das seis da manhã tenho pastéis de nata quentinhos à espera de clientes!”. Quem o diz é o pasteleiro Luís Tavares que, aos 73 anos se continua a levantar às quatro da manhã para fazer os bolos que abastecem muitos cafés da cidade, na sua fábrica Paris, situada na Rua José Pedro Ferreira.
Foi também um dos criadores do pastel Bordallo. Luís Tavares diz que a doçaria caldense é muito rica, mas precisa de mais divulgação.

Dá gosto visitar a fábrica Paris ao sábado de manhã. De poucos em poucos minutos há quem venha buscar um bolo de aniversário e há quem passe para elogiar os pastéis que levou anteriormente.
Luís Tavares tem 73 anos e é natural de Leirosa, aldeia que pertence a Alvorninha.  Apesar da idade, mantém-se activo a laborar na sua pasteleria, a Paris, onde diariamente produz entre 600 a 700 bolos individuais que abastecem cafés e outras pastelarias caldenses, além de fazer alguma venda ao público. Entre as muitas encomendas contam-se bolos de aniversário, sejam russos, revestidos a massapan, ou decorados com os bonecos da moda.
“Comecei a trabalhar no Gato Preto há 60 anos”, disse Luís Tavares, recordando que aquela pastelaria, situada na Rua do Jardim e onde deu os primeiros passos nesta profissão, pertencia a um cunhado. Tinha então 13 anos. “Naquela altura começávamos a trabalhar ainda garotos”, recordou o pasteleiro, que começou por lavar tabuleiros e formas de bolos. “Ninguém nos ensinava a fazer bolos. Era tudo segredo”, recorda. Para o jovem Luís, na altura a única coisa que se assemelhava a fazer um bolo, era participar nas pesagens dos ingredientes.
Mas pouco a pouco foi aprendendo. Naquele espaço fez as primeiras cavacas, beijinhos das Caldas e trouxas de ovos, função que acumulava com a distribuição dos bolos. Recorda que fazia centenas de pastéis de feijão para Torres Vedras. “O senhor que tinha o bar da estação das Caldas era o mesmo do café de Torres Vedras”, disse, explicando que tinha que os levar prontinhos, embrulhados um a um e nas respectivas caixas. “Ia sempre a correr para os levar, dado que os pastéis seguiam à hora certa na automotora para o bar da estação de Torres”.
Depois da pastelaria caldense, Luís Tavares partiu à conquista de Lisboa, tendo trabalhado na Confeitaria Erbom.
E se nas Caldas, no início, fazia as pesagens, em Lisboa pediam-lhe para fazer apenas as massas, sem saber as quantidades. Na Erbom trabalhou com o chefe de pastelaria, Domingos Rodrigues, que anteriormente tinha passado pela empresa caldense Frami. Ali aprendeu a fazer vários bolos, a trabalhar com mestria a amêndoa e a fazer rebuçados.
“Foi uma boa experiência ter trabalhado em Lisboa”, disse Luís Tavares que teria então 17 anos e não ficou muito tempo por causa de uma hepatite que teve que vir curar para as Caldas. Assim que se recompôs decidiu mudar de área.
“Fui empregado de mesa no Café Rosa numa altura em que eu quis abandonar a pastelaria… é uma vida muito cansativa”, contou. Estava a trabalhar neste estabelecimento quando foi chamado para a tropa, em 1965. Dois anos depois, regressado da Guiné, laborou mais meio ano no Rosa e, mais tarde, foi um dos funcionários que foi abrir o Camaroeiro Real.
Só que a actividade de pasteleiro estava-lhe nas veias e acabou por a ela regressar. Luís Tavares abre com um sócio a Universal, que ficava no Bairro dos Arneiros. Mas a experiência não correu bem e durou pouco mais de um ano. Integra então a equipa da Pastelaria Machado, onde também aprendeu a fazer vários doces locais e regionais. Em seguida, Luís Tavares teve um convite  para gerir a pastelaria Nau, na Nazaré, o que fez durante seis anos.
“Depois acabei por vir para aqui em 1982… Há 30 anos”, disse, referindo-se à pequena unidade de produção na situada na Rua José Pedro Ferreira, que conduz ao CCC. É ali que chega, com a mulher, Zulmira Tavares, às quatro da manhã para fazer as massas e os recheios dos seus bolos.
Orgulha-se também de não utilizar conservantes nos seus bolos e de apenas usar boas matérias primas.
As suas broas castelares, por exemplo, são feitas de forma tradicional com a batata doce cozida em açúcar. Tudo é confeccionado a rigor, assim como também é o bolo rei, muito rico em ingredientes. “Vendo-o para revenda a seis euros e é muito difícil concorrer com as grandes superfícies que o vendem a três ou quatro euros…”, queixou-se o pasteleiro, que ainda assim vê a qualidade dos seus bolos reconhecida um pouco por todo lado, vendendo o bolo rei para firmas da região.
No Natal Luís Tavares conta com a ajuda de alguns amigos do casal que vêm colaborar nesta altura em que também aumentam as encomendas. “Não escondo nada a ninguém. Quem quiser aprender, eu ensino tudo!”, disse o pasteleiro, acrescentando que para se fazer com qualidade, não pode ser barato.
“Há clientes que vivem no estrangeiro e que, quando vêm nas férias, chegam à fronteira e já estão a ligar pedindo bolo ao Ti Luís”, conta, orgulhoso, o pasteleiro para quem as encomendas são sempre prioritárias. E os bolos não vão apenas para a região. Seguem também para a Alemanha, Canadá, Espanha e até já enviou bolos para a Austrália.

“Trabalhar até ser preciso”

Não é uma vida fácil. A começar pelo horário, em que a hora de saída é sempre imprevisível. “Só podemos sair quando está tudo despachado e adiantado para o dia seguinte. Ontem saí daqui às 20h00”, exemplificou.
Actualmente trabalha apenas com a sua mulher e uma funcionária, Ana Leão, que está na casa há 18 anos.
Terminados os bolos, é também Luís Tavares quem faz a distribuição dos mesmos pelos cafés da cidade. “Os anos já são muitos e uma pessoa começa a ficar cansada”, disse o profissional que tem três filhos, um dos quais está na Holanda e dois a trabalhar na área.
Por agora Luís Tavares vai conseguindo dar conta do recado. “Para já vamos continuar a trabalhar. As paredes são do senhorio, mas o equipamento é todo meu”, contou.
Luís Tavares gostava que alguém desse continuidade ao seu negócio quando as forças não lhe permitirem fazer o trabalho. Por agora, mantém-se atento às mudanças e à actualização do que se passa à sua volta, tendo, aos 73 anos, aberto um e-mail e uma página no Facebook.

 

Caldas é muito rica em doçaria

“As Caldas é muito rica em doçaria, só que há muita coisa que se está a perder”, disse o profissional. Além das cavacas, dos beijinhos, das trouxas de ovos e das lampreias, há ainda as castanhas e rebuçados de ovos “que já não se fazem em lado nenhum!”.
As verdadeiras cavacas das Caldas, contou Luís Tavares, levam farinha, margarina (pouca), muitos ovos e um pouco de bicarbonato de sódio que serve de fermento. “Mais nada… Depois têm que ser tendidas em farinha de milho”, revelou o chef pasteleiro, acrescentando que os verdadeiros beijinhos eram feitos com a massa das cavacas.
Já as trouxas de ovos “têm que ser cozidas em açúcar, feitas no mesmo processo que se faz para os fios de ovos”.
Luís Tavares foi um dos pasteleiros ligados desde o início à criação dos pastéis Bordallo. Com Paulo Santos, do Forno do Beco, foi responsável pelo doce que quer ser identitário das Caldas e promover a cidade no exterior.  Tal como os Bordallos, Luís Tavares acha que se poderia apostar mais na divulgação e promoção da doçaria caldense.

O pasteleiro entre Ana Leão, sua a única funcionária e a mulher, Zulmira Tavares | Natacha Narciso
O pasteleiro entre Ana Leão, sua a única funcionária e a mulher, Zulmira Tavares | Natacha Narciso